Em matéria publicada na Revista ISTOÉ, Dr. Walter Minicucci, presidente da SBD, comenta sobre o otimismo que a medicina vive atualmente contra o diabetes. Leia a matéria na íntegra.
Isso será possível graças às novidades que acabam de chegar ao Brasil - e às que estão por vir. Entre elas estão remédios que controlam a glicemia, emagrecem e ajudam a baixar a pressão arterial e uma insulina com efeito de até 40 horas.
Um robusto conjunto de novidades que
começam a chegar ao Brasil irá mudar para muito melhor a vida dos 12
milhões de diabéticos do País. Entre elas estão remédios que controlam a
doença, ajudam a perder peso e ainda contribuem para baixar a pressão
arterial, a primeira insulina com ação de até 40 horas e aparelhos que
permitem acompanhar a evolução da enfermidade com maior precisão.
Somados aos outros avanços que estão por vir, esses recursos representam
a maior virada até agora na luta contra a doença. “Estamos vivendo uma
era de ouro em relação ao tratamento da diabetes”, afirma o
endocrinologista Walter Minicucci, presidente da Sociedade Brasileira de
Diabetes. “E o panorama do futuro também é bastante promissor”,
acredita.
A diabetes é uma doença crônica que se
tornou um dos maiores problemas de saúde pública mundial. Caracterizada
pelo excesso de glicose na corrente sanguínea, a enfermidade traz
prejuízos terríveis quando não controlada. Está, por exemplo,
diretamente associada ao aumento do risco de eventos cardiovasculares,
como o infarto e o acidente vascular cerebral, e figura como uma das
principais causas de cegueira no mundo. Por isso, a urgência em se
encontrar maneiras mais eficazes de combatê-la, antes que seja tarde
demais.
Felizmente, algumas dessas estratégias
começaram a desembarcar no País nas últimas semanas. Na segunda-feira
17, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou para
comercialização no Brasil a primeira insulina com efeito de até 40
horas. Trata-se da Tresiba (degludeca), fabricada pelo laboratório Novo
Nordisk. A insulina é o hormônio que permite a entrada, nas células, da
glicose que está circulando no sangue. Quando há algum problema na sua
fabricação ou no seu funcionamento, há o acúmulo de açúcar na corrente
sanguínea que tanto estraga o organismo. Os portadores do tipo 1 da
doença não conseguem fabricar insulina, já que as células que a produzem
são destruídas pelo próprio corpo. Por essa razão, são obrigados a
recorrer a uma solução externa: injeções diárias de insulina – às vezes
mais de uma – para conseguir manter o nível adequado de glicose.
Até hoje, o tempo mais longo de efeito
de uma insulina injetável era de 24 horas. Ou seja, o paciente não podia
ficar mais de um dia sem reaplicar o remédio, sob risco de sofrer
novamente com o excesso de açúcar no sangue. Com a Tresiba, ganha um
tempo extra de janela, caso seja necessário. “Recomendamos que os
pacientes tomem uma dose por dia, mas os benefícios da insulina se
mantêm por até 40 horas”, explica a endocrinologista Mariana Narbot,
gerente médica do Novo Nordisk no Brasil. Isso significa que o diabético
terá maior flexibilidade para os intervalos entre as aplicações. Se
tomou uma dose às dez da manhã de um dia, não precisará injetar a
próxima dose impreterivelmente às dez da manhã do dia seguinte. “Ele
ficará com uma melhor qualidade de vida”, diz Mariana.
Espera-se também para os próximos meses a
entrada no mercado das duas primeiras medicações que atuam nos rins – o
Forxiga, do Laboratório AstraZeneca, e o Invokana, da Jannsen. Os
órgãos têm papel importante para o equilíbrio das taxas de glicose no
sangue, ao permitirem a reabsorção de parte do açúcar por eles filtrada.
A nova classe de drogas – de uso oral – impede justamente esse
processo. O resultado é que o açúcar é eliminado pela urina, assim como o
sódio. “Há uma queda importante na concentração de glicose”, explica o
endocrinologista Walmir Coutinho, presidente eleito da Associação
Internacional para o Estudo da Obesidade.
Na conta final, o paciente acaba com a
glicemia controlada e ainda pode sofrer perda de peso e queda na pressão
arterial. Em estudos realizados com o Forxiga, por exemplo, a média de
perda de peso, após um ano de uso, foi de três a quatro quilos. E houve
diminuição de cinco milímetros de mercúrio na pressão arterial sistólica
(máxima). Por exemplo, um indivíduo cuja pressão era de 150 mmHg x 80
mmHg pode ter experimentado uma diminuição para 145 mmHg x 80 mmHg. “São
vantagens importantíssimas em se tratando de diabéticos, já que a
combinação da doença com obesidade e hipertensão arterial é algo
perigoso, elevando brutalmente o risco para doenças cardiovasculares”,
diz o endocrinologista João Eduardo Nunes Salles, professor da Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. O efeito colateral mais
importante observado foi infecção genital causada por fungos (a
eliminação de muito açúcar pela urina muda a flora bacteriana da região,
deixando a área mais propensa à proliferação desses micro-organismos).
O Laboratório Pfizer também está desenvolvendo uma droga do gênero
(ertugliflozin), sob análise em estudo clínico.
Essas medicações reforçam um arsenal já
encorpado depois da chegada de remédios que atuam sobre as incretinas,
hormônios produzidos pelo intestino e que desempenham papel importante
para o equilíbrio dos níveis glicêmicos. “Eles são muito eficientes”,
assegura a endocrinologista Maria Fernanda Barca, de São Paulo. A médica
Sophia Caldas, 27 anos, faz uso do remédio e está conseguindo controlar
a doença. “Também parei de comer pão, macarrão e doce. E meço a glicose
todos os dias”, conta.
O monitoramento da doença será outro
aspecto ainda mais facilitado. Deve chegar nos próximos meses ao Brasil
uma nova geração de monitores de glicemia. Fabricado pela Sanofi
Diabetes em parceria com a Agamatrix, o IBGStar ™ é capaz, por exemplo,
de medir as taxas de açúcar, enviar as informações para iPhone ou iPod
Touch e compartilhar os dados com médicos e familiares. O paciente pode
criar uma espécie de diário digital da evolução do tratamento,
armazenando informações sobre as oscilações nos níveis glicêmicos, entre
outras.
Para aqueles que usam bombas de insulina
(infundem o hormônio), a novidade é a chegada do sistema de infusão
Paradigm VEO, da Medtronic. É o mais moderno do gênero. Seu diferencial é
sua capacidade de interromper o fornecimento de insulina caso os níveis
de açúcar no sangue atinjam patamares perigosamente baixos. Trata-se de
uma medida de segurança, para evitar que o indivíduo continue a receber
insulina mesmo quando não for necessário, correndo o risco de sofrer
uma crise de hipoglicemia (falta de glicose na corrente sanguínea). O
aparelho acabou de receber autorização da Anvisa para ser vendido no
Brasil.
Na Universidade de São Paulo, prossegue
uma experiência usando células-tronco para tratar o tipo 1 da
enfermidade. O raciocínio é simples. Como esse gênero da doença é
causado pelo ataque do sistema de defesa do corpo às células fabricantes
de insulina, a ideia é criar um novo sistema imunológico, desta vez sem
o defeito que o leva a atacar o próprio organismo. Para isso, primeiro
células-tronco são extraídas da medula óssea dos pacientes – é na medula
óssea que são fabricadas as células do sistema imunológico. Essas
células-tronco, com potencial para dar origem a novas células de defesa,
são preservadas. Em seguida, o paciente é submetido a uma quimioterapia
intensa, destinada a destruir toda a medula defeituosa. Depois, as
células-tronco que haviam sido guardadas são reinjetadas, formando uma
nova medula óssea. Até agora, 25 diabéticos foram submetidos ao
procedimento. Três estão livres da dependência de insulina.
O estudante de medicina Renato Fernandes
Silveira, 25 anos, de São Paulo, não toma mais o remédio há nove anos.
“Levo uma vida normal”, conta. “Controlo a ingestão de carboidratos e me
exercito. Nunca mais usei insulina.” Neste momento, os pesquisadores se
dedicam a entender por que participantes que também haviam interrompido
o uso do hormônio foram obrigados a voltar a injetá-lo. “Quatro
pacientes já integram essa nova pesquisa. O estudo será realizado em
colaboração com cientistas americanos e franceses”, informa o
endocrinologista Carlos Eduardo Couri, coordenador da Equipe de
Transplante de Células-Tronco do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto (SP).
Uma ajuda extra está disponível para
diabéticos que necessitem da colocação de stent (dispositivo que
desobstrui as artérias coronarianas, que irrigam o coração). Um desses
stents, fabricado pela Medtronic, recebeu indicação para ser usado por
portadores da doença. Normalmente, eles apresentam vasos sanguíneos com
calibre reduzido, tortuosos, calcificados. E esse stent é mais fácil de
ser colocado nessas condições. Dessa maneira, a artéria é menos agredida
durante a colocação do dispositivo. Isso reduz a possibilidade de
ocorrer hiperproliferação das células que revestem o vaso, processo que
pode levar a uma reobstrução do local. “Avaliações bem documentadas
fundamentaram a liberação e a indicação para que esses stents sejam
usados em diabéticos”, afirma o médico Décio Salvadori, chefe de equipe
do Hospital Beneficência Portuguesa, de São Paulo. O advogado paulistano
Nicola Abisati teve um desses stents implantados. Está recuperado e já
voltou à rotina de trabalho.
O futuro também promete boas
estratégias. Nos laboratórios ao redor do mundo estão sendo
desenvolvidos diversos recursos promissores. Um deles é o chamado
pâncreas artificial. Em linhas gerais, é um sistema bem parecido com os
aparelhos de infusão de insulina disponíveis atualmente. Mas o pâncreas
artificial seria implantado no abdome, ao contrário das bombas de
insulina. Ele também é dotado de um esquema inteligente de medição de
glicemia e interrompimento do fornecimento de insulina quando
necessário. Na Inglaterra, o grupo de Joan Taylor, da De Montfort
University, está testando um equipamento do gênero. “Ele poderá ajudar
principalmente os pacientes com o tipo 1 da doença”, disse a
pesquisadora à ISTOÉ.
Uma estratégia igualmente interessante
em estudo são as vacinas contra o tipo 1 da enfermidade. Há duas linhas
de trabalho. A primeira é a adotada pelos cientistas da Universidade de
Standford, nos Estados Unidos. Eles já testaram em 80 pacientes um
imunizante que impediu o ataque de um tipo de célula do sistema de
defesa às células fabricantes de insulina. “Agora vamos expandir os
testes, desta vez com 200 indivíduos”, disse à ISTOÉ Lawrence Steinman,
coordenador do trabalho. A segunda aposta vem sendo pesquisada na
Universidade de Tampere, na Finlândia. Lá, os pesquisadores querem criar
uma vacina contra vírus (enterovírus) associados ao desencadeamento da
enfermidade, de acordo com estudos. Um protótipo de imunizante já foi
testado em cobaias. “Sabemos que foi efetivo em ratos”, disse o
pesquisador Heikki Hyöty, líder da experiência.
Em outra linha de frente estão os
pesquisadores que procuram maneiras mais eficazes de prevenir a doença,
especialmente o tipo 2. Estudos recentes apontaram, por exemplo,
indivíduos com mais risco para a enfermidade. O trabalho executado na
Universidade de Groningen, na Noruega, identificou que pessoas com
depressão e distúrbios de compulsão alimentar estão nesse grupo. “Os
médicos devem ficar atentos a isso”, disse à ISTOÉ Peter de Jonge,
coordenador do trabalho. Já os pesquisadores da Universidade Johns
Hopkins (Eua) concluíram que também estão sob maior ameaça bebês
prematuros. Isso acontece porque, na infância, eles tendem a produzir
muita insulina. Depois, na idade adulta, as células podem desenvolver
resistência à atuação do hormônio, desencadeando a diabetes tipo 2.
Cientistas da Universidade de Tel Aviv,
em Israel, estão dando uma contribuição igualmente importante nessa
seara. Eles verificaram que um teste já disponível, o HbA1c, também
serve para indicar a chance de uma pessoa desenvolver o tipo 2 da
enfermidade entre os cinco e oito anos seguintes. Hoje, o exame é usado
para dar uma medida das oscilações de glicemia em períodos prolongados.
Por isso, é considerado um dos melhores indicadores de como a doença
está sendo manejada. “Mas descobrimos que ele também aponta o risco
futuro de ter o problema”, informou à ISTOÉ Nataly Lerner, responsável
pela pesquisa. “Ele é indicado principalmente para pessoas com
sobrepeso, sedentárias ou com pressão arterial elevada.”
Fotos: Kelsen Fermandes, Rafael Hupsel, Bruno Fernandes, FELIPE GABRIEL – Ag. Istoé, Jason Senior REDPIX; Steve Fisch
Fonte: ISTOÉ (21/02/2014)
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